sexta-feira, 30 de março de 2012

CEC 60 ANOS - ENQUETE


Sócio: Mário Alves Coutinho

1. O que é o CEC?

Começo com o óbvio: existem tantos CECs quanto os sócios que ele teve. O CEC foi programação de filmes, discussão dos mesmos, leituras de livros e revistas, e até mesmo produção de críticas, jornais, revistas, livros e filmes, mas não somente. Portanto, o CEC não foi somente estas produções catalogáveis, mas os sonhos e os desejos de cada um de nós.


2. Fale do CEC que você viveu.

Foram três os momentos em que vivi o CEC mais intensamente:

1963/1968: Quando entrei para o CEC, tinha quinze anos. Estava querendo descobrir não só o que era o cinema, mas o que era a arte, o que era a cultura, e me informar a respeito de quase tudo. Ao mesmo tempo, achava, pelo que corria a boca pequena em BH, que o CEC era um lugar que só podia ser frequentado por pessoas com muita bagagem intelectual, o que não era o meu caso, evidentemente. Arrisquei, e entrei. Só posso dizer que me o CEC atendeu ao meu desejo: abriu minha cabeça não só para o cinema, mas também para a literatura, a música, a pintura, isto é, foi uma abertura para o mundo. Dois anos depois, eu estava fazendo a programação dos filmes de sábado na entidade. Três anos depois, o fechamento; coisas da ditadura militar...

1979/1983 – Com a reabertura do CEC, no Palácio das Artes, por Ricardo Gomes Leite, continuei a frequentá-lo novamente. Neste período, dei uma assessoria para algumas diretorias. Parei de ir ao CEC quando me mudei para a Austrália.

2000/2008: Como o CEC ameaçava fechar as portas, o resultado catastrófico das duas gestões anteriores, algumas pessoas, eu inclusive, resolvemos assumir a entidade novamente. Fui eleito presidente por dois anos. Produzi cerca de seis cursos de cinema, enquanto tivemos no prédio da PUC-Minas, em parceria com a Oficina de Teatro: os professores foram toda a diretoria do CEC, menos Márcia Valadares. Retomamos as programações mensais do CEC no Palácio das Artes. Programei a festa dos cinqüenta anos do CEC: onze longas-metragens, realizados por sócios do CEC, com alguns curtas-metragens idem. Organizei (juntamente com Paulo Augusto Gomes) e editei um livro, para registrar a história, a atuação, e o imenso trabalho teórico e prático, realizado pela entidade. Associados de todas as fases do CEC (dos fundadores, aos que haviam chegado por último) contribuíram com textos para o livro Presença do CEC: 50 anos de cinema em Belo Horizonte.
Fui eleito presidente novamente em 2004, mas renunciei em 2005, pois havia me comprometido com uma bolsa para pesquisar Jean-Luc Godard, em Paris, durante um ano, para escrever minha tese de doutorado em literatura comparada, na UFMG. Quando voltei, em 2006, fui eleito presidente novamente, e aí a atividade do CEC estava mais ligada à realização do Festival Internacional de Curtas-Metragens, que acontecia anualmente. Convidei dois teóricos essenciais para o Festival internacional de curtas, em 2006: Jean Douchet e Alain Bergala, que fizeram apresentações brilhantes. 
   

3. O que era o cinema quando o CEC surgiu? O que é o cinema hoje?

Quando o CEC surgiu, o cinema era a arte das imagens, quase solitária. A televisão era negócio, indústria, o que quiserem, mas não tinha produzido nada de valor, ainda. No entanto, já estava abalando a indústria cinematográfica... Hoje, o cinema, em vez de ter perdido a guerra, como muitos afirmam, para mim, virou o paradigma para a indústria do espetáculo. Atualmente podemos ver filmes nos canais abertos, na televisão de cada um, no computador, no celular, etc. etc. Como disse o profeta Jean-Luc Godard, em 1970: “O cinema morreu; viva o cinema!”


4. Na tua visão, o que mudou na cinefilia, de sessenta anos para cá?

Prosseguindo a resposta anterior: com os filmes disponíveis em todos os lugares possíveis e imagináveis (e agora quase todos os filmes “realmente” existentes podem ser baixados por qualquer pessoa, em casa),  talvez programar filmes em cineclubes não atraia tanto como antes. Mas a discussão sobre o cinema, pelo menos num certo nível de excelência, não é encontrada muito facilmente nestes meios de comunicação. O futuro da cinefilia talvez esteja nos cursos de cinema, e nos debates ao vivo.

5. Quais foram os pontos doutrinários, teóricos e estéticos que você destaca, na trajetória do CEC? Quais os que mais exerceram, sobre você, alguma influência (ou fascinação)?

Resumindo: o CEC, de uma certa maneira, influenciou o cinema que passei a amar e admirar, desde a década de 60: o grande cinema americano (Hawks, Walsh, Ford, Vidor, Fuller, Ray, etc.), a Nouvelle Vague, Bergman, Antonioni, Visconti e, sobretudo, o grande cinema brasileiro, o Cinema Novo (Glauber, Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro de Andrade, etc.). O melhor cinema, das décadas posteriores, é herdeiro de tudo isto: Wenders, Jarmusch, Malick, Bertolucci, etc. Além disso, o CEC foi o lugar onde conheci, comecei a ler, fiquei maravilhado, e fiz um pós-doutorado sobre: o grande teórico André Bazin, que traduzi, e sobre o qual pretendo publicar um livro, com a tradução de cerca de quarenta de seus ensaios. Bazin me mostrou simplesmente o que era o cinema. Aliás, ao fazer meu doutorado, dobre Godard, e o pós-doutorado, sobre Bazin, me senti, sempre, como o representante de uma geração, e como o produto da formação de uma entidade: o CEC, exatamente.

6. O que você legou, da tua vivência no CEC, para as atividades profissionais que você exerceu ou exerce?

Tudo que aprendi no CEC, apliquei em tudo que fiz, depois: crítica de cinema, jornalismo, roteiros cinematográficos que escrevi (filmados: Idolatrana, João Rosa, O Horizonte de JK), os livros que publiquei,
inclusive as traduções dos poetas ingleses (William Blake e David Herbert Lawrence) que realizei, doutorado e pós-doutorado, cursos de cinema, etc. No mais, ver minha resposta anterior.

7. Cite alguns personagens com os quais conviveu na tua vivência do CEC.

Já escrevi no livro Presença do CEC: Cinqüenta anos de cinema em Belo Horizonte: a maior influência no meu pensamento, no CEC, foi a de José Haroldo Pereira, muito presente na fase em que comecei a freqüentar a entidade.  Cyro Siqueira, com suas críticas e suas eventuais aparições em debates (como a discussão sobre O Eclipse, em 1964) foi uma presença constante na formação do meu pensamento cinematográfico, assim como Mauricio Gomes Leite, já no Rio, nesta época, mas escrevendo muito sobre o cinema. As discussões com meus amigos, Ricardo Gomes Leite e Tiago Veloso, também fizeram minha cabeça

8. O CEC foi criado sob a inspiração do exercício crítico, a construção de um cinema brasileiro a partir da formação no CEC "traiu" a sua vocação primeira?

A construção de um cinema brasileiro a partir da formação cequiana afirmou a vocação do CEC para o cinema, simplesmente. A passagem da crítica para a realização já havia sido feita pelos italianos e pelos franceses. O CEC simplesmente seguiu esta tendência.


9. Examinando o apanhado de títulos e diretores brasileiros que passaram pelo CEC, ou se aproximaram de diversas formas com ele (CEC), como você vê a possibilidade de existência de um "cinema do CEC"? Existe isto? Ou a constatação é óbvia: a diversidade da produção indicada traduz a multiplicidade de influências que pairavam e cruzavam o CEC, enquanto espaço de vivência do cinema?

Não acredito que exista um cinema do CEC, mas vários cinemas dos muitos CECs de cada um. Ver minha resposta à primeira pergunta.

10. Você acredita numa "mística do CEC"?

Não é que eu acredite, simplesmente acho que ela existe, até hoje, em BH, em Minas, e (talvez) até mesmo no Brasil.

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